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Foto do escritorPedro Cabral

Liberalismo; ou, geleia principiológica

Atualizado: 13 de abr. de 2020

Eu não tenho mais perdido tempo com a opiniões de socialistas em geral sobre questões públicas, pois parece que já está bem claro para todos que seus fundamentos são o arbítrio e a violência e, portanto, há pouco a esclarecer sobre isso.


Porém, há um tipo de socialista em especial muito danoso pelo fato de o senso comum ainda não identificar como tal é sua a essência; são os chamados “liberais”. Esse pessoal sorridente, geralmente mais asseado física e socialmente que os socialistas mais radicais, tem se passado por defensores da liberdade, fazendo campanhas como o “dia sem imposto”, entoando bordões e celebrando ritos da religião do empreendedorismo.


Essa gente é perigosa pois dissemina o socialismo sorrateiramente como se o combatesse e em momentos de crise se aproveita da vulnerabilidade das pessoas submetidas a stress coletivo pela mídia e pelo governo, para advogar o aprofundamento da intervenção estatal na vida das pessoas. Dizem, na cara dura, “eu sou a favor da liberdade, mas em momentos de crise, o governo tem que intervir, tem que cercear a liberdade das pessoas...”.


E fazem isso sem constrangimento e sem sofre maiores acusação porque seu corpo doutrinal, se é que dá para chamar a “geleia principiologica” sobre a qual se assentam as teorias liberais, permite o voluntarismo e o esperto senso de oportunidade. Seja pela inépcia de uns, seja pela velhacaria intelectual de outros, hoje o liberalismo se apresenta, a meu ver, muito mais perigoso até mesmo as correntes socialistas mais tradicionais como o fascismo e o comunismo.

E o bom amigo que me lê pode constatar isso que digo se levar em consideração as lições preciosas de Edmund Husserl (vide Investigações Lógicas – Prolegômenos à Lógica Pura), as quais me vejo obrigado a parafrasear para afirmar que, diante de um discurso que não autoriza separar um “arroubo voluntarista” de uma verdade que a todos obriga, o retorno às questões de princípio é uma tarefa cogente.


Isso se impõe especialmente em situações extremas, pois se um tecido teórico está esforçado na validade lógica e na verdade empírica, ele deve apresentar proposições e modelos defensáveis tanto em épocas de estabilidade social, quanto em tempos de crise, sem desdém das importantes questões pragmáticas sempre urgentes.


As proposições matemáticas, as proposições da biologia, as proposições da estéticas, não variam segundo as contingências no espaço e tempo; o que é certo ou errado, o que é ético, também não muda. E essa estabilidade é especialmente importante nesse último caso, pois é como base na ética que o homem toma decisões (ou deveria tomar) e transita no mondo natural onde se vive e onde se morre.

A circunstância de o liberalismo não ter, convenientemente, até hoje alcançado um grande êxito de apresentar um modelo ético de comportamento preciso e universalizável, já passado tanto tempo de seus passos iniciais, evidencia que os pressupostos em que se funda não estão suficientemente firmes e claros na medida requerida por um modelo de convivência social, o que é bastante útil a políticos e burocratas.


E isso acontece porque, está claro, pelo menos para mim, o liberalismo carece de princípios, já que nele cabe tudo, já que nada o afirma, nada o nega. Falta-lhe essência, como definida por Hegel, o qual peço licença de citar:

“...Assim como nada está, primeiramente, em unidade simples imediata com o ser, assim também aqui a identidade simples da essência está, primeiramente, em unidade imediata com sua nedatividade absoluta. A essência é somente essa sua negatividade, que é a reflexão pura. Ela é essa negatividade pura como o retorno do ser para dentro de si; assim, ela está determinada em si ou para nós como o fundamento em que o ser se dissolve. Mas essa determinidade não está posta pela própria essência; ou seja, a essência não é fundamento, precisamente na medida em que ela mesma não pôs essa sua determinidade. Sua reflexão, porém, consiste em pôr-se e em determinar-se como o que ela é em si, como negativo. O positivo o negativo constituem a determinação essencial, dentro da qual a essência está perdida como dentro sua negação. Essas determinações autossubsistentes de reflexão se suprassumem, e a determinação, que foi ao fundo, é a determinação verdadeira da essência” (Hegel, in “Ciência da Lógica – 2. A Doutrina da Essência”. Cap. 3).

Trazendo para o caso concreto ora testemunhado, se para os liberais “tal intervenção estatal” que não é correta ou válida fora de situação de crise (e, portanto desvalorada axiologicamente e negativa do ponto de vista lógico), em tempos de crise, “tal intervenção estatal” é correta e válida (ou seja, valorada axiologicamente e positiva do ponto de vista lógico), isso força a conclusão segundo a qual essa “tal intervenção estatal” nega e afirma o liberalismo, o que, a contrário senso, equivale dizer que “tal intervenção estatal” nem nega, nem afirma, o liberalismo e que, por derradeiro, infere-se que o liberalismo não possui uma essência, não possui princípio, é um nada axiológico, é uma nulidade lógica, é um nada como modelo de convivência social.


E é justamente por não ser nada e aparentar ser alguma coisas razoável que ele serve tão bem à manipulação de políticos e burocratas.

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