Esse é o texto base da tese de participação do autor no Debate 03, que foi realizado ao vivo na página do nosso site no Facebook, no dia 14.04.2020. O vídeo do debate está disponível nessa seção de vídeos da home do site e também na referida página.
1. TESE
A mídia dá a conhecer.
A ciência dá a conhecer.
Mas, a mídia sabe o que a ciência dá a conhecer?
A minha tese é a de que:
Para a mídia, é irrelevante o que a ciência dá a conhecer.
2. CONFISSÃO
Devo desde logo, fazer as ressalvas que o dever de honestidade intelectual me impõe.
Eu, seja no campo negocial, seja no campo intelectual, não confio em ninguém!
Não posso me dar ao luxo de, tranquilamente, levar em consideração a simples palavra de alguém que não tenha compromisso pessoal comigo, pois no meu contexto de advogado, de professor e de pesquisador, eu tenho obrigação moral de ser cético, vez que, clientes, alunos e leitores dependemda segurança das minhas opiniões para tomarem decisões graves sobre suas vidas, suas liberdades e seus patrimônios.
E eu sou cético principalmente em relação:
Aos políticos,
À mídia, e
À ciência.
Que fique claro, minha desconfiança é máxima, para muito além do que deve ser a desconfiança de um homem responsável e diligente, pois o ceticismo é o meu meio de vida, é com ele que garanto o sustento da minha família.
3. AUTOCRÍTICA
Começo por uma autocrítica relativa ao tema do nosso debate, pois embora tenhamos nos demorado mais do que o comum para acharmos o recomendável equilíbrio entre o atrativo e o elucidativo que um bom tema deve incorporar, infelizmente, no presente caso, o atrativo suplantou, em muito, o elucidativo. Isso porque a ambiguidade dos termos “mídia” e “ciência”, no meu julgamento, é um tanto dilatada e pode dar azo a divagações de várias ordens, desde considerações técnicas, até derivações de senso comum. Ambiguidades as quais tentarei dissipar ao tratar separadamente de cada um desses termos durante a fundamentação desta tese.
4. MÍDIA
O termo mídia é usado em muitos sentidos, desde a designação de qualquer suporte de difusão de informações e dados (CDs, Drivers etc), até o conjunto de meios de comunicação social em massa, passando por redes sociais e até departamentos de especializados de agências de publicidade. Aqui, no entanto, mídia que dizer:
Conjunto de meios de comunicação social em massa.
Mas, que fique claro que se trata de um uso figurado, pois mídia não é um agente real que atua concretamente no mundo fenomênico, mas, sim, uma coletividade de pessoas físicas e entes empresariais que atuam no mercado de comunicação social.
Essa coletividade, admite-se, tem desempenhado um papel relevante nas sociedades ocidentais como instituição pretensamente garantidora do livre trânsito de informações e opiniões, característico das nações que se auto intitulam livres.
Esse é o principal papel da mídia:
Garantir o livre trânsito de informações e opiniões
Embora que eu considere tal papel superestimado, principalmente com o advento das redes sociais, de fato, esse papel que a mídia arroga a si é relevante.
É tão relevante, que o cidadão comum, porém diligente e responsável, não pode levar em conta de verdade pronta nada que essa mesma mídia o entrega, por vários motivos que são
bastante óbvios:
Primeiramente, porque a mídia é um coletivo de seres humanos, de seres limitados intelectual e moralmente, como todos os demais seres humanos – bem passíveis de equívocos e desvios de conduta;
Segundo, especialmente no Brasil, a mídia deixou-se cooptar, desde a academia, por viés político marcadamente progressista, o qual propugna que toda ação do homem é uma ação política – não no sentido filosófico, mas no sentido partidário – incluindo, aí, a ação dos profissionais de mídia, convertendo o ato de informar em ato de luta político-partidária, no contexto da qual, em nome da causa, é plenamente justificável o relativismo moral, as omissões e as distorções, na construção de narrativas que aproveitem a essa causa;
Terceiro, e principalmente, já que se trata de uma questão de sobrevivências de todos os que pertencem a essa coletividade, porque o mercado em que a mídia se desenvolve tem passado por profundas modificações relativas aos modelos de negócios pertinentes, à forma com que pessoas e empresas são remunerados nesse ambiente – hoje, a indústria da informação não se financia mais vendendo confiabilidade aos leitores, ela se financia vendendo audiência e clicks publicitários a seus anunciantes.
Assim, falibilidade humana,viés ideológicoe interesse econômicosão os principais aspectos que uma pessoa deve considerar ao encarar a chuva de informações que recebe hoje “de graça” pelos vários canais da comunicação em massa.
Alguém pode dizer que os aspectos apontados nos itens 2 e 3 seriam auto excludentes, contraditórios entre si, dado o caráter anticapitalista do viés ideológico em face do viés econômico, mas a realidade é que as polêmicas progressistas que envolvem:
"criticas ao capitalismo";
"questões relativas ao politicamente correto";
"linchamento de inimigos políticos”;
"acusações de condutas deploráveis contra minorias", e
"propagação de estudos científicos confirmatórios das narrativas progressistas, etc.."
são excelentes click baits que fazem girar a roda dessa indústria e escalar em reputação os profissionais da área[1].
5. MÍDIA E CIÊNCIA
E já me encaminhado para o final e a propósito da citada “propagação de estudos confirmatórios de narrativas progressistas”, relativamente à pergunta constante do tema desse debate – “A mídia sabe o que é ciência?” – eu mesmo não duvido que no ceio da indústria da informação haja pessoas capazes de compreender bem o que representa o conhecimento científico, nem duvido de que, em média, os profissionais do meio tenham algumas noções elementares sobre o que é ciência. Ciência aqui entendida tanto como empreendimento de produção metodicamente controlada de conhecimento, quanto como resultado desse empreendimento.
Não duvido mesmo. Do que eu duvido é que a ciência interesse aos membros dessa comunidade mais do que as narrativas ideológicas e, principalmente, do que a audiência e os clicks remunerados pelos seus anunciantes.
Na verdade, estou pio de que a ciência só interessa aos profissionais da mídia à medida que podem usá-las como “douramento de manchetes”, como, por exemplos, aquelas que anunciam algum “fato” curioso, repugnante ou enviesado, seguido expressões tais como “diz estudo” ou “afirmam pesquisadores” – sempre alguma frase de efeito e fácil de retuitar.
O que parece ser relevante é o “rótulo científico” em apelo ao argumento de autoridade como “turbinador” de clicks, restando para segundo ou terceiro plano o grau de acurácia com que foi apurado o fato propalado.
A respeito da observação desse fenômeno eu diria que somos privilegiados, pois, nesses tempos de coronavírus, o que não falta são manchetes apocalípticas imputando credenciais científicas aos fatos veiculados, para matérias de conteúdos sofrivelmente rasos, de repórteres ou articulistas aparentemente sem o menor senso crítico ou espírito investigativo.
E se algum bom amigo achar que estou sendo muito rigoroso com tais profissionais, que por favor me proporcione grata surpresa mostrando-me, por exemplo, alguma matéria:
Explicando os modelos matemáticos adotados para a projeção do pico da pandemia aqui no país, com sua margem de erro e em cenários diversos; ou
Fazendo comparações entre modelos diversos; ou entre as projeções e o que, de fato, têm se configurado; ou mesmo
Questionando as projeções em face da reconhecida fragilidade do sistema de dados disponíveis; outrossim
Questionando a vacilação das autoridades em relação à extensão, no tempo, das medidas de distanciamento social – com base em que se fundamentam suas decisões; ou ainda
Questionando em que estudos tais autoridades baseiam suas decisões...
Eu, embora tenha procurado, não vi!
Como não tenho visto, em nenhuma matéria recente que faz menção a determinado estudo científico, questionamentos ou explicações sobre[2]:
A sua relevância;
A possibilidade de suas conclusões serem testadas ou seus resultados serem replicados;
A compatibilidade de suas conclusões com hipóteses já bem estabelecidas; ou
O seu poder preditor ou explicativo.
Sendo assim, mesmo que em juízo precário e superficial, creio estar autorizado a concluir legitimamente que
A CIÊNCIA É IRRELEVANTE PARA A MÍDIA
enquanto atividade de busca de conhecimento válido e honesto sobre os dados da
realidade.
É como penso. Com a última ressalva de que aqui não há qualquer pretensão científica.
Bibliografia citada e consultada
ARON, Raymond. O Ópio dos Intelectuais. São Paulo: Três Estrelas, 2016.
BEERRA, Daniel, ORSI, Carlos. Pura Picaretagem. São Paulo: Leya, 2013.
COPI, Irving. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
ECO, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2012.
GOLITSYN, Anatoliy. Meias Verdades, Velhas Mentiras.Campina, SP: VIDE Editorial, 2015.
HOLIDAY, Ryan. Acredite, estou mentido – confissões de um manipulador das mídias. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2012.
MASIP, Vicente. Fundamentos Lógicos da Interpretação de Textos e da Argumentação. Rio de Janeiro: LTC, 2012. MISES, Ludwig Von. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010.
MLODINOW, Leonard.Subliminar: como o inconsciente influencia as nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
PACEBA, Ion Mihai, RYCHALAK, Ronald J. Desinformação. Campina, SP: VIDE Editorial, 2015.
PORTO, Camila. Facebook Marketing. São Paulo: Novatec Editora, 2014.
RAND, Ayn. El Nuevo Intelctual. Buenos Aires: Grito Sagrado Editorial Fund. de Deseño Estratégico, 2009.
TORRESM, Cláudio. A Bíblia do Marketing Digital. São Paulo: Novatec Editora, 2009.
[1]Sobre esse assunto, em específico, eu remeto a audiência à leitora do livro de Ryan Holiday, “Acredite, estou mentido – confissões de um manipulador das mídias”, como passo inicial para o aprofundamento no tema.
[2]Essa são algumas das questões que Irving Copi reputa essenciais na avaliação de explicações científica, em sua obra Introdução à Lógica, ao qual remeto o leitor.
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