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Foto do escritorPedro Cabral

A Ciência é irrelevante para a Mídia


Esse é o texto base da tese de participação do autor no Debate 03, que foi realizado ao vivo na página do nosso site no Facebook, no dia 14.04.2020. O vídeo do debate está disponível nessa seção de vídeos da home do site e também na referida página.

1. TESE


A mídia dá a conhecer.


A ciência dá a conhecer.


Mas, a mídia sabe o que a ciência dá a conhecer?


A minha tese é a de que:


Para a mídia, é irrelevante o que a ciência dá a conhecer.


2. CONFISSÃO


Devo desde logo, fazer as ressalvas que o dever de honestidade intelectual me impõe.


Eu, seja no campo negocial, seja no campo intelectual, não confio em ninguém!


Não posso me dar ao luxo de, tranquilamente, levar em consideração a simples palavra de alguém que não tenha compromisso pessoal comigo, pois no meu contexto de advogado, de professor e de pesquisador, eu tenho obrigação moral de ser cético, vez que, clientes, alunos e leitores dependemda segurança das minhas opiniões para tomarem decisões graves sobre suas vidas, suas liberdades e seus patrimônios.


E eu sou cético principalmente em relação:


  • Aos políticos,

  • À mídia, e

  • À ciência.


Que fique claro, minha desconfiança é máxima, para muito além do que deve ser a desconfiança de um homem responsável e diligente, pois o ceticismo é o meu meio de vida, é com ele que garanto o sustento da minha família.


3. AUTOCRÍTICA


Começo por uma autocrítica relativa ao tema do nosso debate, pois embora tenhamos nos demorado mais do que o comum para acharmos o recomendável equilíbrio entre o atrativo e o elucidativo que um bom tema deve incorporar, infelizmente, no presente caso, o atrativo suplantou, em muito, o elucidativo. Isso porque a ambiguidade dos termos “mídia” e “ciência”, no meu julgamento, é um tanto dilatada e pode dar azo a divagações de várias ordens, desde considerações técnicas, até derivações de senso comum. Ambiguidades as quais tentarei dissipar ao tratar separadamente de cada um desses termos durante a fundamentação desta tese.


4. MÍDIA


O termo mídia é usado em muitos sentidos, desde a designação de qualquer suporte de difusão de informações e dados (CDs, Drivers etc), até o conjunto de meios de comunicação social em massa, passando por redes sociais e até departamentos de especializados de agências de publicidade. Aqui, no entanto, mídia que dizer:


Conjunto de meios de comunicação social em massa.


Mas, que fique claro que se trata de um uso figurado, pois mídia não é um agente real que atua concretamente no mundo fenomênico, mas, sim, uma coletividade de pessoas físicas e entes empresariais que atuam no mercado de comunicação social.


Essa coletividade, admite-se, tem desempenhado um papel relevante nas sociedades ocidentais como instituição pretensamente garantidora do livre trânsito de informações e opiniões, característico das nações que se auto intitulam livres.


Esse é o principal papel da mídia:


Garantir o livre trânsito de informações e opiniões


Embora que eu considere tal papel superestimado, principalmente com o advento das redes sociais, de fato, esse papel que a mídia arroga a si é relevante.


É tão relevante, que o cidadão comum, porém diligente e responsável, não pode levar em conta de verdade pronta nada que essa mesma mídia o entrega, por vários motivos que são

bastante óbvios:


  1. Primeiramente, porque a mídia é um coletivo de seres humanos, de seres limitados intelectual e moralmente, como todos os demais seres humanos – bem passíveis de equívocos e desvios de conduta;

  2. Segundo, especialmente no Brasil, a mídia deixou-se cooptar, desde a academia, por viés político marcadamente progressista, o qual propugna que toda ação do homem é uma ação política – não no sentido filosófico, mas no sentido partidário – incluindo, aí, a ação dos profissionais de mídia, convertendo o ato de informar em ato de luta político-partidária, no contexto da qual, em nome da causa, é plenamente justificável o relativismo moral, as omissões e as distorções, na construção de narrativas que aproveitem a essa causa;

  3. Terceiro, e principalmente, já que se trata de uma questão de sobrevivências de todos os que pertencem a essa coletividade, porque o mercado em que a mídia se desenvolve tem passado por profundas modificações relativas aos modelos de negócios pertinentes, à forma com que pessoas e empresas são remunerados nesse ambiente – hoje, a indústria da informação não se financia mais vendendo confiabilidade aos leitores, ela se financia vendendo audiência e clicks publicitários a seus anunciantes.


Assim, falibilidade humana,viés ideológicoe interesse econômicosão os principais aspectos que uma pessoa deve considerar ao encarar a chuva de informações que recebe hoje “de graça” pelos vários canais da comunicação em massa.


Alguém pode dizer que os aspectos apontados nos itens 2 e 3 seriam auto excludentes, contraditórios entre si, dado o caráter anticapitalista do viés ideológico em face do viés econômico, mas a realidade é que as polêmicas progressistas que envolvem:


  1. "criticas ao capitalismo";

  2. "questões relativas ao politicamente correto";

  3. "linchamento de inimigos políticos”;

  4. "acusações de condutas deploráveis contra minorias", e

  5. "propagação de estudos científicos confirmatórios das narrativas progressistas, etc.."


são excelentes click baits que fazem girar a roda dessa indústria e escalar em reputação os profissionais da área[1].


5. MÍDIA E CIÊNCIA


E já me encaminhado para o final e a propósito da citada “propagação de estudos confirmatórios de narrativas progressistas”, relativamente à pergunta constante do tema desse debate – “A mídia sabe o que é ciência?” – eu mesmo não duvido que no ceio da indústria da informação haja pessoas capazes de compreender bem o que representa o conhecimento científico, nem duvido de que, em média, os profissionais do meio tenham algumas noções elementares sobre o que é ciência. Ciência aqui entendida tanto como empreendimento de produção metodicamente controlada de conhecimento, quanto como resultado desse empreendimento.


Não duvido mesmo. Do que eu duvido é que a ciência interesse aos membros dessa comunidade mais do que as narrativas ideológicas e, principalmente, do que a audiência  e os clicks remunerados pelos seus anunciantes.

Na verdade, estou pio de que a ciência só interessa aos profissionais da mídia à medida que podem usá-las como “douramento de manchetes”, como, por exemplos, aquelas que anunciam algum “fato” curioso, repugnante ou enviesado, seguido expressões tais como “diz estudo” ou “afirmam pesquisadores” – sempre alguma frase de efeito e fácil de retuitar.


O que parece ser relevante é o “rótulo científico” em apelo ao argumento de autoridade como “turbinador” de clicks, restando para segundo ou terceiro plano o grau de acurácia com que foi apurado o fato propalado.


A respeito da observação desse fenômeno eu diria que somos privilegiados, pois, nesses tempos de coronavírus, o que não falta são manchetes apocalípticas imputando credenciais científicas aos fatos veiculados, para matérias de conteúdos sofrivelmente rasos, de repórteres ou articulistas aparentemente sem o menor senso crítico ou espírito investigativo.


E se algum bom amigo achar que estou sendo muito rigoroso com tais profissionais, que por favor me proporcione grata surpresa mostrando-me, por exemplo, alguma matéria:


  1. Explicando os modelos matemáticos adotados para a projeção do pico da pandemia aqui no país, com sua margem de erro e em cenários diversos; ou

  2. Fazendo comparações entre modelos diversos; ou entre as projeções e o que, de fato, têm se configurado; ou mesmo

  3. Questionando as projeções em face da reconhecida fragilidade do sistema de dados disponíveis; outrossim

  4. Questionando a vacilação das autoridades em relação à extensão, no tempo, das medidas de distanciamento social – com base em que se fundamentam suas decisões; ou ainda

  5. Questionando em que estudos tais autoridades baseiam suas decisões...


Eu, embora tenha procurado, não vi!

Como não tenho visto, em nenhuma matéria recente que faz menção a determinado estudo científico, questionamentos ou explicações sobre[2]:

  1. A sua relevância;

  2. A possibilidade de suas conclusões serem testadas ou seus resultados serem replicados;

  3. A compatibilidade de suas conclusões com hipóteses já bem estabelecidas; ou

  4. O seu poder preditor ou explicativo.


Sendo assim, mesmo que em juízo precário e superficial, creio estar autorizado a concluir legitimamente que


A CIÊNCIA É IRRELEVANTE PARA A MÍDIA


enquanto atividade de busca de conhecimento válido e honesto sobre os dados da

realidade.


É como penso. Com a última ressalva de que aqui não há qualquer pretensão científica.


Bibliografia citada e consultada

ARON, Raymond. O Ópio dos Intelectuais. São Paulo: Três Estrelas, 2016.

BEERRA, Daniel, ORSI, Carlos. Pura Picaretagem. São Paulo: Leya, 2013.

COPI, Irving. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.

ECO, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2012.

GOLITSYN, Anatoliy. Meias Verdades, Velhas Mentiras.Campina, SP: VIDE Editorial, 2015.

HOLIDAY, Ryan. Acredite, estou mentido – confissões de um manipulador das mídias. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2012.

MASIP, Vicente. Fundamentos Lógicos da Interpretação de Textos e da Argumentação. Rio de Janeiro: LTC, 2012. MISES, Ludwig Von. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010.

MLODINOW, Leonard.Subliminar: como o inconsciente influencia as nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

PACEBA, Ion Mihai, RYCHALAK, Ronald J. Desinformação. Campina, SP: VIDE Editorial, 2015.

PORTO, Camila. Facebook Marketing. São Paulo: Novatec Editora, 2014.

RAND, Ayn. El Nuevo Intelctual. Buenos Aires: Grito Sagrado Editorial Fund. de Deseño Estratégico, 2009.

TORRESM, Cláudio. A Bíblia do Marketing Digital. São Paulo: Novatec Editora, 2009.



[1]Sobre esse assunto, em específico, eu remeto a audiência à leitora do livro de Ryan Holiday, “Acredite, estou mentido – confissões de um manipulador das mídias”, como passo inicial para o aprofundamento no tema.

[2]Essa são algumas das questões que Irving Copi reputa essenciais na avaliação de explicações científica, em sua obra Introdução à Lógica, ao qual remeto o leitor.

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